sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A Biocomplexografia de Donatto Leão - Parte 10

Boa tarde!
O Donatto voltou!!
Abraços
...Amarelo...


Capítulo 10 - A volta dos que não foram

Uma dica: nunca coma peixe sozinho.
Às vezes meu texto pode ser uma utilidade pública. Isto é muito sério!

***

Voltei à minha rotina de sempre: trabalhar e trabalhar. Voltei também para minha casa.
Foi muito bom aproveitar as férias como aproveitei, de um jeito que nunca havia aproveitado. Estava apenas esperando também meus pais e irmãos voltarem de viagem para anunciar que iria ficar uns tempos na casa da minha avó. Claro, obviamente, porque depois do trabalho sairia com o Paco, sempre que desse.
No começo sairíamos menos, até porque ele decidiu ficar no Brasil, sob minha promessa de arrumar um bom emprego para ele em sua área, Informática / Tecnologia da Informação.
Meus pais voltaram, depois de praticamente 1 mês viajando pelo Nordeste. Estavam todos praticamente uns camarões, vermelhos por causa do sol e salgados por causa da água do mar. Mas o importante é que estavam felizes.
- Pai, mãe – disse logo que se acomodaram em casa – vou morar uns tempos com a vó Luzia.
- Como assim? – questionou minha mãe, com correta indagação, até porque nunca passaria pela minha “antiga” cabeça ficar sequer 1 hora lá na casa da minha avó antigamente.
- Porque prometi ao Paco que arrumaria emprego para ele. Então neste tempo que ficar lá vou ver se ajudo.
- Mas mesmo assim não entendi. Está doente? – minha mãe realmente não entendeu a minha intenção. Na verdade, eles sequer imaginavam que eu fui pra “gandaia”, muito menos com o Paco.
Para constar, minha mãe não estava pior que meu pai. Ele ficou uns 10 minutos estático. Não estava entendendo a situação.
- Bom, vou explicar. Nesses 20 dias que vocês ficaram fora, ou seja, desde o dia que fui levá-los ao aeroporto, fiquei na casa da vó e desde então estive por lá. Me tornei amigo do Paco, coisa que eu sei que nunca fui. Mas acho que ambos, ele e eu, melhoraram.
Meus pais ficaram mais pasmos ainda. Mas entenderam a situação. Para eles era coisa de semanas e eu voltaria. Na verdade, eles não ficariam tristes ou coisa do tipo por eu estar saindo, até porque eu tinha uma casa e quase casei. Eles ficaram boquiabertos mais pelo fato da minha mudança repentina de comportamento.
Juntei mais peças de roupa e outros utensílios importantes e fui para a casa da minha avó, onde o quarto de hóspedes seria agora o meu quarto.

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         Está bem, uma ou outra restrição, se for um sashimi, por exemplo, pode comer sozinho.

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         No começo foi bem estranho sim, confesso, afinal morar na casa da minha avó e junto com aquele primo que era inacreditavelmente chato (e havia virado inacreditavelmente legal) era realmente algo que nunca passaria na minha cabeça. Mas eu sei, estava passando por constantes mudanças e, também sei, bem “pós-maturas”, se é que existe este termo.
         Mesmo que alguém tente acreditar nisso, não passou pela minha cabeça em momento algum a chance de me consultar em um psicólogo, que aliás sempre foi um trauma particular fazer consulta num desses. Nada contra, mas qualquer ato diferente que fazia em minha vida já vinha minha mãe marcando consulta na Dra. Rosa Brilda.
         Rosa Brilda, oras, quem no inferno tem um nome desses?
         As consultas eram demoradas, perguntas totalmente infundadas, tinha dia que parecia mais nutricionista que psicóloga:
         - Donatto, está comendo bem? Você gosta de maçã? Come com mel e granola, te dá energia e alivia este stress...
         O pior era a voz dela de travesti fanha. Não gosto nem de lembrar. Acho que prefiro lembrar dos chifres que levei da Fátima do que das consultas com a Dra. Rosa.
         Por fim, depois de mais de trinta consultas e (muito!) dinheiro gasto, minha mãe resolveu entender, de fato, que eu era diferente, e contra os fatos, não há argumentos, é ou não é?
         Ela achava que por ser filho dela e de meu pai, que teria que ser imagem e semelhança deles. Até entendo ela hoje em dia, afinal, como seria conceber um filho chegar em casa com revistas de games na mão, cabelo bagunçado, camiseta do Iron Maiden, sendo que minha mãe gostava de Leandro e Leonardo, e meu pai, Bach, Mozart e Villa Lobos. Era de se esperar uma consulta psicológica...

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         Por que esta insistência com esta dica de utilidade pública?
         Acreditem em mim! Comer peixe é gostoso, mas sozinho não.

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         Cheguei na casa da minha avó e ela estava toda radiante, como se tivesse de volta o filho dela (pai de Paco), numa versão menos bandida, e isso a deixava nostálgica.
         E ela contou histórias de antes de meu tio Ênio virar “o dono de boca”, conhecer Marjorie e... ah, já contei tudo isso! Enfim, a coitada da minha avó sentia falta, e a minha presença junto com o Paco na casa dela preenchia todos os possíveis vazios que ela tivesse.
         - Poxa, e não é que o cara veio mesmo? – disse Paco, rindo como se estivesse realmente duvidando de minha proposta de morar com ele na casa da D. Luzia.
         - Tenho que trabalhar, mas não vou dispensar o chopp depois das cinco...
         - Se me arrumar um emprego, te pago a primeira rodada toda sexta-feira.
         É, tinha isto. A grana de Paco estava acabando e ele estava sem graça de ficar saindo sem ter como bancar a própria birita.
        
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         Quando você entrar num restaurante e ver “Pintado na brasa”, vai se lembrar deste capítulo

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         Era segunda-feira, numa dessas quaisquer que sempre desagradam aos trabalhadores e agradam aos empregadores. Lá vai o agora motivado engenheiro Donatto tentar mudar o mundo (mesmo que seja o próprio mundo) novamente.
         Confesso que o retorno ao trabalho, como acho que já disse isso antes e estou sendo redundante, foi excessivamente chato, depois das férias maravilhosas. Nunca gastei tão pouco dinheiro e me diverti tanto na vida. Frase de um murrinha aficcionado. Mentira! Nunca fui isso. Mas o fato foi consumado.
         Cheguei na empresa, parecia até que a seção onde eu trabalhava estava mais bonita, ou pelo menos mais organizada.
         A Evanete estava com os seios mais redondos, a Lídia mais sorridente, o Walter menos carrancudo... comecei a perceber que às vezes escritores de auto-ajuda tem razão: o mundo só é cinza se nossos olhos enxergarem em preto e branco.
         O dia passou voando, cheio de reuniões, as quais eu desenhei caretas, formas geométricas e letras aleatórias no livro-ata.
         Dizem os estudos que demoramos pelo menos 10 dias depois do retorno das férias para voltarmos ao ritmo normal. Pois é, faltavam nove dias ainda...

***

         Certa vez, aguardando o Paco numa entrevista de emprego, fui a um restaurante almoçar. Ficava em Mogi das Cruzes, aqui perto de São Paulo, mas longe de casa. A fome era tamanha e a espera era doída. Então fui comer.
         No cardápio, em rima: “Pintado na brasa, especial da casa!”, resolvi comer, até porque tenho uma queda por peixe.
         Fui todo cuidadoso ao retirar as espinhas do peixe, monstruoso pousado em meu prato. Porém, meu controle de qualidade não foi bom o suficiente, e um desses espinhos foi parar em minha garganta, e por lá ficou atravessado.
         Comecei a ficar roxo, a passar mal, e, sozinho, para quem iria recorrer?
         Olhei para a mesa, tinha acabado o refrigerante. Tornei o potinho de vinagrete que acompanhava o peixe. Acho que piorou a situação.
         O garçom me viu desesperado, chamou outro cara, enfiaram o dedo na minha goela e tiraram a bendita espinha do peixe.
         Isso meia hora depois.
         Concluindo: nunca coma peixe sozinho.